Provavelmente todos que consomem conteúdo sobre não monogamia já se depararam com um perfil de trisal no Instagram. Admirados e desejados por alguns, problematizados por outros, fato é que os trisais existem e agitam as discussões sobre outras relações possíveis.
Contudo, não necessariamente um trisal representa relações não monogâmicas, o que torna necessário um cuidado maior ao tratarmos do assunto.
Trisais monogâmicos: nada de novo sob o Sol
Resumidamente um trisal é a junção de três pessoas que se relacionam afetivo-sexualmente. A partir dessa definição, muitas perguntas surgem sobre seus diversos formatos possíveis.
Não há, propositalmente, qualquer afirmação no conceito de trisal que aponte para a não monogamia, o que torna perfeitamente possível que esse jeito de se relacionar aconteça de forma monogâmica.
Mas como? Se estamos falando sobre mais de duas pessoas que se relacionam ao mesmo tempo, isso já não quebraria a ideia de exclusividade, central à existência da monogamia?
Quando as pessoas envolvidas no trisal fecham-se para outras possibilidades relacionais, permitindo apenas envolvimento emocional e sexual entre seus participantes, temos um trisal fechado – que nada mais é que monogamia com três pessoas.
Se não existe a possibilidade do exercício da autonomia afetiva pelas partes ligadas, como podemos considerar trisais fechados como parte da não monogamia?
A culpa é do poliamor
Quando falamos de trisais abertos, não monogâmicos, em que os integrantes possuem liberdade para construir relações para além do trisal, sem dúvidas a popularização do poliamor foi importantíssima para sua disseminação.
O poliamor aparentemente veio para ficar. Com os questionamentos e as insatisfações cada vez mais frequente em relação à monogamia e ao amor romântico, algumas pessoas buscam outros formatos relacionais e acham no poliamor a melhor forma de amar.
Os poliamoristas tentam mostrar, através de veículos de comunicação e de outras mídias, que amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo é normal, perfeitamente possível e saudável.
Trisal é tudo igual?
Quando se fala de trisal, existem três formatos desse tipo de relação que são mais lembrados e publicamente representados.
O trisal em triângulo é o famoso “todos se relacionam com todos”. Podendo ou não haver coabitação – o famoso “morar junto” –, a características principal nesse caso é não haver relação central ou hierarquicamente superior. Todas as três relações existentes estão em pé de igualdade.
Apesar da impossibilidade de registro de uniões poliafetivas, há iniciativas no sentido de tentar o reconhecimento de que é perfeitamente normal mais de duas pessoas se amarem e também mostrar que é justo que os envolvidos estejam amparados juridicamente no que diz respeito a bens, criação de filhos etc.
Já o fomato em V de um trisal é bem didático e fácil de ser visualizado: uma pessoa se relaciona com outras duas, que por sua vez não se relacionam entre si.
Quando se fala em “relação” aqui, isso diz respeito a vínculos que envolvem afeto e sexo. As pessoas que não se relacionam podem eventualmente construir algo nesse sentido futuramente, mas para que a configuração em V aconteça é necessária a existência de apenas duas relações simultâneas.
Aqui se observa também a existência dos metamores, que são os “amantes dos amantes”, conforme conceitua o livro Ética do Amor Livre. As pessoas que não têm uma relação afetivo-sexual são metamores e tal relação pode ser marcada por companheirismo, indiferença ou, no pior dos casos, disputa.
Por fim, o trisal em T é o mais complexo de ser entendido e, ao mesmo tempo (talvez por isso mesmo), bem controverso.
Nesse formato, existe um casal central e anterior à introdução de uma terceira pessoa à sua dinâmica.
Quando surge um(a) interessado(a), essa pessoa passa a se relacionar com o casal, sem estabelecer relações em pares. Isso desemboca em situações complexas, como a perda da individualidade do próprio casal e o poder de veto que há sobre quem chegou posteriormente.
Caso um dos membros do casal entenda que não é mais possível existir a relação em trisal, rompe-se o vínculo existente entre ambos e a terceira pessoa – que nunca pode se relacionar separadamente com cada um dos integrantes do casal.
Nem todo sexo e ménage
Existe uma ideia pré-concebida, fruto também de um certo fetiche masculinista, de que a relação sexual em um trisal acontece sempre em trio. O ménage seria a regra – ou, pior, a única possibilidade.
Nada mais falso. Na verdade, a relação sexual será apenas um desdobramento de como o trisal se coloca no mundo. Caso sejam fechados, a dinâmica sexual será bem diferente de um trio não monogâmico.
E, mesmo dentro dos trisais não monogâmicos, o modo como as relações se estabelecem é condição para a possibilidade de sexo a dois, a três ou até mesmo entre mais pessoas – incluindo o trisal, mas para além dele.
“Mas, e as crianças?”
Quando envolvemos mais de duas pessoas em relações que contêm afeto e sexo, sabemos que os tipos de dificuldades serão outros. Um deles diz respeito à criação de filhos, principalmente quando se mora junto.
Legalmente é possível o registro de mais de duas pessoas como oficialmente responsáveis por determinada criança¹. Na prática, porém, nem sempre é fácil a inclusão de mais pessoas no cuidado com filhos e filhas.
Os poliamoristas acreditam que, quanto mais gente olhando para uma criança, menores são as chances de violência, maus tratos e abusos. É uma ideia coletiva do cuidado, que possui respaldo em vivências anteriores às imposições monogâmicas.
A dificuldade maior acaba sendo encontrar quem tope cuidar de uma criança que não seja biologicamente sua, comprometendo-se a contribuir ativamente com a criação daquele ser humano que se desenvolve, que não a abandone na primeira oportunidade e seja visto como um vínculo estável para a criança.
Individualidades saudáveis
Seja qual for o formato de trisal escolhido, é importante ter em mente que a existência de três pessoas juntas não anula as individualidades e seus respectivos limites.
As demandas de cada um precisam ser expressamente colocadas sempre que possível, para que ninguém se anule nesse novo processo de se relacionar com mais de uma pessoa.
Separar um tempo para si, para olhar pros próprios desejos, pode ser inclusive um modo de manter a saúde da relação em trisal que se estabeleceu